Somos Diocesano, essa é a diferença!

Quando estudante, sonhava em ter uma biblioteca contendo coleções, enciclopédias, passando pelos clássicos da literatura, filosofia, ciências sociais, teologia etc. Durante anos, comprava os livros que podia. Tive um acervo bibliográfico razoável, doado posteriormente a instituições diocesanas de ensino superior, em função de seu credenciamento pelo Ministério da Educação. O acervo bibliográfico foi fruto de poupanças, durante permanência universitária na Bélgica e enquanto docente no Brasil.  Era uma quantidade de publicações, mais do que suficiente para minhas necessidades ou capacidade intelectual. Tarefa árdua: controlar a voracidade livresca, quando o dinheiro e o tempo de leitura eram parcos. 

À medida em que ia envelhecendo, havia mudanças nas preferências. Hoje, faço opção por títulos de literatura, espiritualidade, arte, exegese e história. Em geral, os escritos científicos são lidos raramente. Com as obras de conteúdo artístico, poético e místico acontece diferente. Cada vez que são folheadas, trazem um novo encantamento.  Tenho incontido fascínio por traduções da Bíblia. A beleza da Palavra de Deus encanta-me. A mensagem transcendental, o estilo e o texto bem escrito levam-me à oração. Sinto-me extasiado ao ler os salmos e evangelhos. Conduzem-me à prece. Considero a oração a forma perfeita e o ápice da poesia. Deus comunica-se também nas entrelinhas de um texto esmerado. A mensagem espiritual merece a beleza literária. Se o falar correto e elegante dos homens toca a alma, quanto mais a Palavra divina.

Fui um leitor sôfrego. Mamãe dizia a Dom Manuel Tavares, que me ungiu sacerdote: “Joãozinho leu tanto que derreteu o juízo.” Talvez, tivesse razão em sua simplicidade e sabedoria. Comovem-me bons textos e belos discursos. Acredito que minha vocação sacerdotal aflorou com os sermões de Dom José Delgado. Emocionava-me, ouvindo-o pregar sobre as Bem-aventuranças com frases lindas e ternas, seu tom e flexão de voz. Parece que escutava algo do Infinito. Realmente, são palavras celestiais. As acuradas edições dos Textos Sagrados me envolvem num clima transcendente. Sábia e profunda a resposta do apóstolo Pedro ao Mestre, quando instado se iria abandoná-Lo, exclamando: “A quem iremos, Senhor, só Tu tens palavras de Vida!” (Jo 6, 68). Hoje, com a visão limitada, recorro à inteligência artificial, pedindo à Alexa (Echo dot) que recite trechos bíblicos e poemas de vates nacionais ou estrangeiros.

Quando a velhice bateu à porta, mudaram minhas preferências literárias. Veio o momento em que, olhando aquelas estantes cheias de livros, senti que estava velho. Terei tempo de os reler? Não, respondi a mim mesmo. Então, por que guardá-los? Resolvi doá-los. Para Roland Barthes “os livros também querem provas de que são amados e desejam ser manuseados.” O tempo vai passando e a leitura sendo mais seletiva. Na juventude, deslumbravam-me livros volumosos. Essa ilusão foi sepultada, ouvindo Frei Ludovico Mourão (diretor da Editora Vozes). Ao atender um autor, vangloriando-se de escrever “obras que se punham em pé”, o editor respondeu: “Tenho quarenta anos de ofício. Um livro que se põe em pé, talvez não seja lido nem vendido.” Hoje, como leitor e modesto escritor, não me preocupa a quantidade de páginas, mas trabalhos compactos com frases densas.

Atualmente, meu hábito de leitura imita os gatinhos. Nenhum felino abocanha de imediato a comida. Primeiramente, cheira. Se o nariz não aprovar, desiste de comer. Faço o mesmo com os livros. Antes, procuro sentir o perfume do autor. Se não tem um aroma bem humano, leve e atraente, deixo de consumir. “Ler é um ritual antropofágico”, escreveu Murilo Mendes. A antropofagia não se dava por razões alimentares. Acontecia por motivação mágica. Segundo a mitologia e algumas lendas, quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que existiam em seu corpo. No simbolismo da comunhão eucarística do Corpo e Sangue de Cristo, misticamente presentes no pão e no vinho, somos nutridos e contagiados pela riqueza de sua vida. A leitura é um ato sacramental de união do leitor com o autor. De maneira sábia, a Igreja une na missa: Palavra (leituras bíblicas) e Pão. Ambos são alimentos. Teologicamente, Verbo e Pão tornam-se sinônimos. “Tomai e comei.” (Mt 26, 26).